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O Psiquiatra estranho e esquisito – um lugar-comum

A saúde mental faz parte da definição de saúde e é inerente a qualquer pessoa que deseje ter saúde. Não separamos a saúde do corpo e da mente.

Tudo começa com indícios subtis. Uma perda de interesse, uma desmotivação, perdas de memória difíceis de explicar, tremores e dor no peito que surgem em alturas inusitadas, uma insónia que dura há vários dias. É mais difícil estar no trabalho ou estudar. A doença mental aparece sobre as mais variadas formas – estas e outras. Mas a doença mental nunca se vê – não dá manchas na pele, não é amarela, não se mede com o termómetro, não se ouve com o estetoscópio, não aparece no Raio-X.

A vergonha, o medo, a negação afastam-nos de procurar ajuda. Mas os que nos rodeiam e nos conhecem notam. “Qualquer coisa não está bem”. Há aquele amigo ou familiar que nos sugere (muito timidamente, baixinho). “Achas que devias procurar ajuda?” Há outros dez que garantem que é má ideia. “Se entras lá, nunca mais de lá sais”, profetizam. Não é a mesma coisa afirmar publicamente que se foi ao neurologista, ao internista, ao endocrinologista ou ao psiquiatra. 

O estigma vem de dentro de casa. É uma má notícia para os pais, como se tivesse algo de errado. O estigma vem do nosso círculo de amigos. A doença mental torna-nos perigosos e imprevisíveis. O estigma vem do trabalho. A pessoa com doença mental não consegue trabalhar bem, não é fiável. 

As consultas de Psicologia e Psiquiatria são para malucos e doidos. “Eu não sou louco, sei muito bem o que faço”, ouve-se. Os doentes mentais são violentos e instáveis. Vem-nos à cabeça o mendigo que deambula pelas ruas e que fala sozinho e o homicida louco com dezasseis personalidades diferentes. “Eu toda a minha vida consegui ultrapassar as dificuldades, não vai ser diferente agora.” Quem procura ajuda são as pessoas fracas de carácter. Garantimos que só não melhora quem não tem vontade e fibra. 

O Psicólogo e o Psiquiatra passam por ser diferentes, estranhos, esquisitos, fora do normal. “És psicólogo ou psiquiatra?”, perguntam-nos no nosso dia-a-dia em conversas de café.  “Não sei bem a diferença. Isso deve ser horrível, de qualquer forma”. Usam não se sabe bem o quê. Fazem não se sabe bem o quê. Ofício velado e furtivo. O que acontece dentro de uma consulta de saúde mental é uma incógnita. Todos se perguntam mas ninguém sabe a resposta. Os poucos bravos que se atrevem a entrar na consulta perguntam no final “Mas era só isto? Correu bem!”, lançam ainda aturdidos do receio com que entraram.

Partilham-se desabafos e desafogos com o amigo e o vizinho no café. Não consigo dormir. Experimenta este comprimido que é óptimo, tomo-o há vários anos. Sinto-me em baixo. Bebe uns copos, isso ajuda sempre. Procuram-se mezinhas na ervanária. Pede-se ajuda ao osteopata, ao terapeuta corporal, junto do técnico de farmácia que conhecemos há anos. Tudo para evitar o temível psiquiatra. Procura-se amparo junto do barbeiro, do cabeleireiro, do padre, do dono do café do bairro.  Nada funciona bem, o tempo passa, os sintomas pioram. Interferem na carreira, no casamento, na saúde física, nas ambições de cada um. Podem surgir pensamentos de morte mais à frente.

Todas as formas de sofrimento pessoal podem traduzir um problema a necessitar de avaliação e tratamento. A doença mental pode impedir o indivíduo de lidar com os desafios normais da vida, conseguir trabalhar de forma produtiva e manter relações com os seus pares, familiares e amigos.

Se o preconceito de frequentar um psicólogo existe, tudo é pior quando se fala do psiquiatra. O psicólogo pode fazer “terapia” e ajudar a melhorar o nosso bem-estar. Não implica doença. Pode até “ficar bem” ter um psicólogo. A psiquiatria ainda é muito associada aos hospícios e à doença mental grave. A cronicidade, a ausência de retorno. E depois há a medicação. Os psiquiatras “só” receitam medicação. O doente entra, o Psiquiatra tira um papel cheio de linhas e preenche-o até abaixo. Volte cá se não melhorar. O psiquiatra só serve para receitar muitos remédios, não há um diagnóstico, não há interesse da parte dele em perceber o que se passa, encaminhando para psicólogos logo de seguida. Os medicamentos são químicos e provocam dependência. Esses medicamentos provocam demência, engordam, emagrecem, dão sono, tiram a líbido.

Mas hoje venho contar-vos a minha perspectiva. 

A doença mental é comum. A doença mental não é uma doença do outro. A doença mental não é falta de vontade. A doença mental tem diagnóstico. A doença mental tem tratamento. O tratamento é eficaz, não dá dependência, não tem efeitos secundários enormes e irreversíveis. E o Psiquiatra. O Psiquiatra não é estranho nem esquisito. O Psiquiatra é um médico. Não usa uma bola de cristal, usa livros, muitos livros. Precisa de colher uma história clínica detalhada como qualquer outro médico. Não usa o estetoscópio mas faz um exame do estado mental por meio da observação cuidadosa de aspectos do comportamento, discurso, humor, atenção e outros. E às vezes precisa de pedir exames complementares de diagnóstico para tirar dúvidas. Não medica sempre, medica às vezes. Qualquer tratamento é sempre discutido com o doente. Trabalha em conjunto com o Psicólogo. Mostra interesse.

O estigma é um lugar-comum. É de alguém que não eu, é sempre do outro, distante, de fora mas persiste. Oprincipal motivo para o estigma é a falta de conhecimento. As pessoas tendem a evitar o que não conhecem. O principal antídoto para o combate ao estigma é a informação. Temos que ter a coragem de procurarmos ajuda e nos informarmos.

A Psiquiatria é a especialidade que se dedica à prevenção, diagnóstico e tratamento das perturbações mentais, emocionais ou comportamentais, como por exemplo:

– Depressão e/ou Ansiedade

– Ataques de Pânico

– Perturbação obsessiva-compulsiva

– Alterações do sono e/ou do apetite

– Depressão Pós-Parto

– Doença bipolar

– Esquizofrenia 

– Demência

– Dependência de substâncias

– Hiperactividade e Défice de atenção

Maria Moreno

Médica Psiquiatra na Cognilab

Dra. Maria Moreno

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