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Intervenção no Autismo: A Metodologia ABA

Segundo a Associação Americana de Psiquiatria, as Perturbações do Espetro do Autismo (PEA) são um síndrome neuro-comportamental, com origem em perturbações do sistema nervoso central, que afeta o normal desenvolvimento da criança. Os sintomas ocorrem nos primeiros três anos de vida e incluem três grandes domínios de perturbação: social, comportamental e comunicacional (APA, 2013). 

O DSM-5 classifica as PEA tendo em conta dois grupos de critérios: A) Défices na comunicação e interação social em múltiplos contextos e B) padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades; e quanto à severidade e intensidade das suas manifestações e necessidade de apoio (pouco a muito substancial), sendo considerada uma doença crónica (APA, 2013). Por não haver nenhum marcador biológico específico para reconhecer o autismo, as PEA são identificadas através dos comportamentos clinicamente observáveis (Fuentes, Bakre, Munir, Aguayo, Gaddour, Öner, & Mercadante, 2012). 

Os sintomas, geralmente, são óbvios antes dos três anos de idade, mas na maioria das regiões do mundo, esta condição não é diagnosticada até alguns anos depois. No entanto, o aumento da identificação, o impacto emocional que têm nas famílias e as demandas financeiras associadas ao seu tratamento tornam as Perturbações do Espetro do Autismo uma doença importante no nível científico, de saúde pública e de direitos humanos (Johnson, Myers, Lipkin, Cartwright, Desch, Duby, & Yeargin-Allsopp, 2007). Apesar dos tratamentos ajudarem a alcançar uma qualidade de vida muito melhor para os pacientes, as PEA ainda não têm cura, e a maioria das pessoas, particularmente nos países em desenvolvimento, não recebem tratamento especializado (Fuentes et al., 2012). De facto, o autismo é uma área em constante investigação e desenvolvimento. Outrora considerada uma condição rara, os recentes estudos epidemiológicos têm alterado radicalmente esta perceção sobre as PEA. Segundo o Centro de Controlo de Doenças e Prevenção da América, a prevalência do Autismo é agora de 1 em 88 casos (muito superior ao ano 2000 em que a prevalência se situava em 1 em 150 casos), sendo muito mais comum nos rapazes (5 rapazes para 1 rapariga). Este aumento exponencial do diagnóstico, e embora os estudos não descartem fatores externos (como nascer de pais mais velhos, maior risco nos prematuros ou de baixo peso ao nascer), é explicado pelo aumento da consciencialização e melhoria no reconhecimento e deteção da perturbação (Fuentes et al., 2012). Este saber não é generalizado. Apesar de as PEA ocorrerem em todas as culturas, raças e condições socioeconómicas, existe menor prevalência e quase inexistência de casos identificados em alguns países, como a China e a África (6.4 em 10.000) (Li, Chen, & Song, 2011). Isto deve-se, não à real diferença de prevalência, mas à ausência de pesquisa e recolha de dados nestas regiões, quando comparadas ao interesse que o Autismo assumiu na sociedade ocidental e americana (Bakare & Munir, 2011). Tendo em conta estas diferenças, a evolução do indivíduo com PEA depende, não apenas das características do mesmo, mas do meio ambiente que lhe é oferecido, adaptado, ou não, para minimizar as suas dificuldades (Fuentes et al., 2012). Sabe-se que a intervenção precoce e a promoção do envolvimento da família, bem como a participação comunitária, os tratamentos e a criação de serviços (inexistente na maioria dos países) moldarão o futuro funcionamento das crianças diagnosticadas à medida que crescem e se tornam adultos (Johnson & Meyers, 2007),Mas qual será o melhor tratamento? Quais as condições necessárias a um melhor prognóstico? O autismeurope recomenda as intervenções comportamentais por serem as que possuem maior evidência científica, correspondendo aos quatro princípios fundamenais: Individualização, Estruturação, Intensidade e Generalização, e Participação familiar (Fuentes et al., 2012). Os departamentos do Reino Unido para Educação e Competências e para a Saúde, após revisão científica, produziram orientações e diretrizes para a prática clínica, definindo os tratamentos apoiados por evidências e os que não o são, e os programas que fazem uma diferença real (sendo esse conhecimento, infelizmente, ainda não incorporado à prática clínica em todo o mundo) (Fuentes et al., 2012). E a única terapia recomendada e suportada por evidência científica no site de referência autismeurope é a Terapia Comportamental (ABA).

O ABA – no original, Applied Behavior Analysis – originalmente descrita por BF Skinner, em 1930, visa a aprendizagem de competências e redução dos problemas de comportamento, linguagem e cognitivos. É Aplicada (Applied), porque os comportamentos a modificar são significativos na vida das pessoas; Comportamental (Behavior) porque esses comportamentos são observáveis e mensuráveis, e Analítica (Analysis) porque se baseia na recolha de dados objetivos para avaliar a sua eficácia e fazer os ajustes necessários e imediatos (Kearney, 2007). 

Em Portugal, existe desde 2005, mas ainda é pouco divulgada e compreendida. As críticas ao comportamentalismo surgem por se considerar que as consequências dos comportamentos moldam a nossa personalidade. Então o comportamentalismo não considera os outros fatores. A genética? A personalidade? Os aspetos cognitivos? O comportamentalismo não exclui estes fatores – apenas lhes dá outros nomes – sendo tudo comportamento. Desde correr, a deitar-se, às consequências específicas que queremos atingir ou evitar, que podem ser a curto prazo (reduzir o frio) ou a longo (receber o ordenado no final do mês), que podem ser positivas ou negativas (apanhar uma multa) e até podem mesmo nunca ter acontecido (nunca ganhamos a lotaria, mas continuamos a jogar) (Piñeros-Ortiz & Toro-Herrera, 2012). As individualidades são tidas em conta e usadas a favor dos objetivos pretendidos com o indivíduo (Lima, 2012), e isto passa tanto pelo aumento do ordenado pelo seu bom desempenho no trabalho, como pela entrega de pedacinhos de bolacha a uma criança com PEA que está a conseguir permanecer sentada ao longo de uma aula sem interesse para ela. Como não vivemos num mundo perfeito, se as contingências naturais não funcionam, devemos alterá-las em prol do sujeito que as recebe. E aqui entra a grande estratégia do ABA: o Reforço. O reforço é diferente de chantagem: o reforço beneficia quem o recebe, enquanto a chantagem beneficia sobretudo quem a faz. Apesar das críticas, aceitemos que o ABA é o mais eficaz, e faz coisas tão maravilhosas como ensinar uma criança de 4 anos a dizer “mãe” pela primeira vez, a tirar as fraldas (e atribuir dignidade) a uma criança de 6 anos, a aprender a ler aos 8 anos e a ir a um bar aos 16 anos. O ABA acompanha e prepara para os desafios que sempre ocorrerão ao longo da vida, e isso é maravilhoso.

Referências 

Lima, C. B. (2012). Perturbações do Espectro do Autismo: Manual prático de intervenção. Lisboa: Lidel.

Piñeros-Ortiz, S. E. & Toro-Herrera, S. M. (2012). Conceptos generales sobre ABA en niños con trastorno del espectro autista. Revista De La Facultad De Medicina, 1(60), 60-61. 

American Academy of Pediatrics. (2007). Autism: caring for children with Autism Spectrum Disorders: a resource toolkit for clinicians. Elk Grove Village, IL: American Academy of Pediatrics. 

American Psychiatric Association (2000). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (4th ed.). Washington, DC: APA. 

Bakare, M.O. & Munir, K.M. (2011). Autism spectrum disorders in Africa. In M. MohammadReza (Ed.), A comprehensive book on Autism Spectrum Disorders (pp. 183-184). London, U.K.: InTechOpen.

Fuentes, J., Bakare, M., Munir, K., Aguayo, P., Gaddour, N., Öner, Ö., & Mercadante, M. (2012). Autism spectrum disorders. In J. M. Rey. (Coord.), IACAPAP e-Textbook of Child and Adolescent Mental Health (pp. 1–27). Geneva: International Association for Child and Adolescent Psychiatry and Allied Professions. 

Johnson, C. P., Myers, S. M., Lipkin, P. H., Cartwright, J. D., Desch, L. W., Duby, J. C., & Yeargin-Allsopp, M. (2007). Identification and evaluation of children with autism spectrum disorders. Pediatrics, 120(5), 1183-1215. doi: 10.1542/peds.2007-2361 

Kearney, A. B. (2009). Compreender a Análise Aplicada do Comportamento: uma introdução à AAC para pais, professores e outros profissionais. Porto: Porto Editora. 

Li, N., Chen, G., & Song. X. .(2011). Prevalence of autismcaused disability among chinese children: a national population-based survey. Epilepsy & Behavior, 22,786- 789

Dra. Célia Guimarães

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